Herança na política ou como adquirir disposições e competências necessárias às funções de representação política (1945-1964)[

Publicado em Pro-Posições, v. 13, n. 2(39) set/dez 2002

Resumo: Este artigo procura pensar práticas políticas, reconhecendo o caráter operatório dos laços sociais no universo político contemporâneo. Analisa a entrada na política de 22 indivíduos que obtiveram sucesso em suas carreiras – 11 de Minas Gerais e 11 de São Paulo–, na década de 50. O interesse está em compreender o que garante a determinados grupos, em determinados momentos de reestruturação do espaço político, a força suficiente capaz de lhes permitir entrar na luta pelo monopólio do poder. Para tanto, levanta as características fundamentais da socialização dos políticos estudados, bem como as de sua formação (escolar, e no interior dos partidos políticos), relacionando-as com a aprendizagem das competências necessárias às funções de um profissional da política.


Abstract: This article explores political practices, acknowledging the operative power that social ties have in the contemporary political universe. It analyses the entry into politics and the successful careers of 22 individuals, 11 from the state of Minas Gerais and 11 from the state of São Paulo, during the 1950s. The primary objective of this work is to understand what makes it possible for certain groups, specifically in moments of political restructuring, to gain enough strength to allow them to take part in the struggle for monopolistic power. To reach this goal, the article analyses the socialization of the politicians studied, as well as their backgrounds (educational and in political parties), connecting them to the learning that is required to enter the profession of politics.

A valorização das formas oficiais de apreensão da política, em detrimento das formas de politização das relações sociais, impede uma indagação mais precisa sobre as relações existentes entre a sociedade e os políticos profissionais. Partindo desta inquietação, este artigo procura pensar as práticas políticas e sociais para além da visão idealizada da política, isto é, reconhecendo o caráter operatório dos laços sociais no universo político contemporâneo.
Esta proposição se choca, certamente, com a constituição de uma atividade política que se torna cada vez mais autônoma, dependente de um universo de regras, de crenças e de papéis próprios, sendo exercida coletivamente no quadro de partidos políticos especializados. A proposição permite, todavia, examinar com atenção as relações entre a “sociedade” e os “políticos profissionais”: esta relação seria mediada pelas experiências sociais anteriores, ou o jogo da política só pode ser compreendido por suas próprias regras? Estando sujeitos ao veredicto popular, os políticos podem ficar aprisionados nas regras de seu mundo próprio? Se eles têm necessidade de estabelecer uma relação com os que lhe deram a delegação, uma parte de suas ações não teria que estar voltada para uma lógica inteiramente própria e dependente de uma aprendizagem, ao mesmo tempo desenvolvida no campo social e no interior do campo político?
Este enunciado resulta de uma série de trabalhos anteriores voltados para a transmissão do poder político familiar, nos quais procurei demonstrar que as posições políticas, paradoxalmente, são mais hereditárias do que se gostaria de acreditar numa democracia. Focalizados nas redes familiares encontradas em Minas Gerais[2], tais estudos estiveram direcionados para a compreensão dos modos de transmissão de um capital político específico numa sociedade que se organiza por meio de leis que ignoram os privilégios ligados ao nome de família e para as quais os partidos políticos são primordiais no jogo da sucessão[3].
Para dar conta desta problemática, a família foi reinterpretada como uma categoria da prática política. E nesse sentido atuando, de maneira nada [4][negligente iável], na acumulação do capital político encontrado em Minas Gerais, sob três formas básicas:
· no trabalho de mobilização dos laços familiares, confiado, principalmente, às mulheres (supervisionar os casamentos, convidar e freqüentar as pessoas certas nas cerimônias familiares, escrever as saudações dos rituais festivos, isto é, todas as pequenas sutilezas freqüentemente ignoradas de um trabalho invisível, quotidiano, feito por pessoas igualmente invisíveis e dominadas politicamente);
· no trabalho de socialização política, que é o trabalho pedagógico doméstico de enquadramento, tendo em vista adquirir as disposições necessárias para o exercício de uma atividade de risco e que exige tempo na acumulação do capital (laços precoces com o mundo da política, como freqüência e familiaridade com as tarefas políticas, com os lugares e as pessoas de poder; exercício do uso da palavra em público sem timidez, uso e controle das emoções nas cerimônias familiares e nos revezes políticos vividos pelos seus, paixão pelo trabalho político, etc);
· no trabalho de representação simbólica, no duplo sentido: 1) demanifestar o poder social e político da família (entre outros, publicando uma genealogia legítima, que seleciona os membros dotados de um capital político à prova de reestruturações do espaço político, de renovações de gerações, etc); 2) de promover o conhecimento e reconhecimento do patrimônio familiar, criando redes estruturadas pelo sentimento de identidade comum e obrigações afetivas, capazes de se constituírem numa espécie de capital de cumplicidade entre as pessoas, a serviço da acumulação e da transmissão deste patrimônio[5].
Ao considerar a família como categoria de prática política, dotada de um capital de cumplicidade, não tão diferente do existente em outros grupos sociais (associações de profissionais, organizações religiosas, entre outros), o resultado destas pesquisas me levou a criar um conjunto comparativo para refletir sobre a especificidade dos laços familiares em relação aos demais que são mobilizados na competição política, a qual, dado o risco que contém, é perigosa para uma atuação solitária.
Este artigo é um dos resultados deste trabalho de pesquisa comparativa. Estuda como são formados os laços e a cumplicidade que unem os políticos de uma determinada geração entre eles mesmos e com seus eleitores em uma ação que é, antes de qualquer coisa, coletiva. O período da história política escolhido para esta etapa da pesquisa é conhecido como de redemocratização, tendo sucedido o regime autoritário de Vargas, que durara 15 anos: 1945-1964. O artigo analisa a trajetória de 22 políticos que obtiveram sucesso em suas carreiras – 11 de Minas Gerais e 11 de São Paulo, focalizando sua entrada na política.
O interesse está em compreender o que garante a determinados grupos, em determinados momentos de reestruturação do espaço político, a força suficiente capaz de permitir-lhes entrar na luta pelo monopólio do poder, relacionando as características fundamentais de sua socialização e de sua formação (escolar e no interior dos partidos políticos) com a aprendizagem das competências necessárias às funções de profissional da política.
O ano de 1945 foi escolhido para o início do estudo porque é o momento em que a transformação brutal do sufrágio – tornado obrigatório para os alfabetizados[6]– e a criação de partidos políticos nacionais intensificaram as relações entre o eleitor (obrigado a votar) e o candidato (que tem necessidade do voto). As reformas políticas dos anos 40 introduziram, assim, a concorrência entre os políticos com raízes no Império e os novos entrantes, obrigando os primeiros a aprender a jogar com as regras da “ordem democrática”, além das regras da política às quais estavam habituados. A tendência que se observa é no sentido de uma profissionalização do métier político, “ligada aos progressos da implantação dos partidos sobre o conjunto do território e ao cuidado deles em apresentar o maior número de candidatos em todas as eleições, na mira de um crescimento de sua audiência e de um melhor controle dos mandatos eletivos”[7]. A data de 1964 é a do golpe de Estado que marcou a supressão dos partidos políticos existentes e cancelou as eleições para cargos de governador de Estado e presidente da República.
O interesse na comparação de políticos de dois Estados brasileiros importantes – Minas Gerais e São Paulo –, advém do fato de que São Paulo, que desde os anos 30 é o centro da economia nacional – e que, durante todo o período republicano, foi também o centro das mais fortes pressões sociais organizadas no Brasil[8] –, não viu seus políticos ocuparem os postos de maior relevo do poder nacional nos anos 1950, nem assistiu a uma atuação destacada deles em situações de reestruturação do espaço político. Este espaço foi ocupado pelos políticos “mineiros”[9]. Os políticos “paulistas”, afastados do poder nacional nos anos 1930, com o fim da República Velha e a chegada de Vargas ao governo, só o retomaram sessenta anos mais tarde, em 1994, quando da vitória de Fernando Henrique Cardoso para a presidência da República, o que contribuiu para nutrir o mito, ainda existente, das “raposas políticas mineiras”.
Duas outras razões me dirigiram para a comparação desses dois grupos de políticos. A primeira se prende ao fato de o Estado de São Paulo dividir com o de Minas Gerais o mais alto percentual de eleitores no Brasil e o maior número de bancadas no Congresso Nacional.
A segunda se deve à constatação de que os políticos dos dois Estados não são percebidos da mesma maneira pela imprensa. Os paulistas são descritos como de “estilo esparramado”, enquanto os mineiros aparecem sóbrios em suas maneiras de se apresentar e de falar. A imprensa ressalta o estilo histriônico dos paulistas na sua maneira de lidar com uma população descontente, intensamente atingida pelo processo de urbanização e com organizações sindicais agressivas (Ver WEFFORT, 1978). Essa mesma imprensa enfatiza, ainda, a maneira dos “paulistas” fingirem, junto aos eleitores pobres da periferia, não pertencerem à política oficial: “Jânio posava de estranho no conspurcado ninho da política (ROSSI, 1998)[10]. Os políticos mineiros, ao contrário, são retratados pela mídia como ligados fortemente ao universo político: “Mineiro, em matéria de política, é melhor que ‘baiano ’, em matéria de festas” (MOREIRA, 1977).
Eu avanço a hipótese que estas formas de fazer política, citadas pelos jornalistas, escondem as mudanças no componente de capital político exigido, que se transforma a partir dos anos 30[11] e afeta os modos de seleção dos políticos profissionais. A partir de então, não foi mais possível valer-se unicamente das prerrogativas inerentes ao sistema de reprodução direta, que fazia com que um patrimônio político herdado e a posse de um diploma de prestígio se constituíssem em estágio praticamente suficiente à iniciação na carreira política. Nos bastidores, haveria modos diversos de acumulação e de conservação do saber político, formas particulares de tirar proveito dele e diferenças impostas pelas maneiras distintas de aquisição e de transmissão das práticas, por meio das quais os políticos afirmam seu código comum de significação, presente em cada uma de suas ações.
Para este trabalho de pesquisa, utilizei dicionários biográficos (ABREU; BELOCH; ano 2001???; MONTEIRO, 1994), entrevistas – não somente as que realizei, mas, sobretudo, aquelas publicadas pelo CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) e por instituições como a Assembléia Legislativa de Minas Gerais e também os testemunhos de políticos publicados em livros de jornalistas ( ? ) e de historiadores[12]. A escolha dos 22 políticos foi feita [13][sem] a priori, entre os que tiveram uma maior visibilidade nacional no período. Outras importantes personalidades estão ausentes do quadro, porque não trariam elementos novos à demonstração pretendida, restrita ao estudo comparativo das formas particulares de aquisição de sutilezas e competências capazes de transformar alguém num “político”, bem como de definir as capacidades políticas num momento dado de reestruturação do espaço político.


A construção de um espaço político autônomo nos anos 50 e o acesso aos meios de participar da política
Do ponto de vista do sucesso de suas carreiras e, sobretudo, na observação de todos os postos políticos que cada um desses políticos ocupou (ver quadros 3 e 4), poder-se-ia acreditar numa projeção linear de suas trajetórias políticas. Colocados uns ao lado dos outros, suas carreiras, aparentemente semelhantes, escondem os diferentes caminhos que estes indivíduos percorreram para a entrada na política, bem como as motivações e as escolhas a que estiveram submetidos, porque todos alcançaram os mais altos postos aos quais um político de carreira pode aspirar, e sobreviveram às mudanças de regime e à renovação das gerações. Tancredo Neves, Ulisses Guimarães e Franco Montoro são bons exemplos, porque foram mais longe que os demais. Eles tomaram parte, igualmente, na reabertura democrática do país, (n)o início dos anos 80, e concluíram suas carreiras na liderança dos movimentos de cidadania cívica do período. Entre os políticos escolhidos, dois somente abandonaram a política por conta própria, e isto no período do governo autoritário dos militares, após 1964: Horácio Láfer e Hugo Borghi[14]. Juscelino Kubitschek e Ademar de Barros tiveram seus mandatos políticos cassados quando tinham sido eleitos, respectivamente, senador pelo Estado de Goiás e governador de São Paulo.
Entretanto, só considerar as etapas percorridas e a chegada ao cume da carreira seria como fixar o olhar unicamente no plano de vôo e na aterrissagem de um avião: não se vê aí toda a preparação que precede a saída do avião, o treinamento dos pilotos, os momentos difíceis da viagem, a concorrência entre as empresas aéreas, os acidentes de percurso que impedem certos aviões de chegar ao seu destino e a performance de cada um.
Designar a política como a atividade principal de uma vida implica considerar as diferentes maneiras de entrada, assim como as chances diversas que são oferecidas aos entrantes, as margens de liberdade de ação para exercer o que se convencionou chamar de “artes da política”. A codificação jurídica parece eliminar as diferenças de entrada na carreira porque, à parte o direito à elegibilidade, não há impedimento jurídico ao acesso. Qualquer cidadão, preenchendo as condições definidas na lei, pode se apresentar a um mandato eletivo, o qual, de resto, é juridicamente temporário, os eleitores podendo votar num outro candidato, quando das eleições seguintes. Todavia, há exigências preliminares que não se encontram escritas na lei e que condicionam a entrada e a saída da vida política[15].
Observando os quadros 1 e 3, pode-se pensar, por exemplo, que a diferença entre os dois grupos de políticos [16][adeje] do fato de os mineiros, sendo de famílias que carregam nomes do Império, terem tido um acesso mais fácil, automático, à carreira, enquanto os paulistas são de primeira geração, com exceção de Carvalho Pinto e Jânio Quadros. Os quadros podem, assim, servir para demonstrar a renovação da geração política “paulista”, após 1930, enquanto o grupo dos mineiros permaneceu bem ligado à tradição política das velhas famílias que detinham o poder[17].
Para uma primeira comparação grosseira, portanto, é a referência à revolução de 30 que permitirá compreender o que quer dizer renovação de gerações e crise no modo de reprodução política: a profunda derrota sofrida pela oligarquia paulista no campo de batalha em 1932, na luta contra a intervenção militar no Estado de São Paulo, tornou difícil a reprodução dos seus quadros na política, forçando uma renovação de seus quadros políticos no período posterior[18]. Minas Gerais, ao contrário, onde a elite política estava concentrada basicamente em ocupações burocráticas, foi o único Estado da Federação a não sofrer uma intervenção militar, de onde a possibilidade de uma continuidade de seus quadros no poder[19]. Mas, para compreender a crise do modelo de reprodução, é preciso considerar, ainda, a nova transformação urbana vivida pela cidade de São Paulo. A partir dos anos 40, sob o efeito do desenvolvimento industrial, São Paulo recebeu uma importante migração interna (do campo e de centros urbanos menores para a capital)[20], que veio a se somar ao fabuloso contingente de imigrantes que a cidade havia recebido no final do século XIX[21]. Em Minas Gerais, a população rural praticamente se manteve estável de 1940 a 1970 ( de 5 069 710 para 5 477 982), garantindo aos políticos deste Estado um universo comum de referências, a partir do qual eles orientavam e avaliavam suas práticas, assentadas na lógica das obrigações pessoais recíprocas nos termos de amizade, de fidelidade ou de reconhecimento[22]. Em São Paulo, a modernização encontrou uma população urbana em busca de oportunidades de ascensão; nestes termos, insatisfeita e reivindicativa, obrigando a criação de outros discursos e de outras apresentações públicas dos políticos, além de outras estratégias pragmáticas de política clientelística, fundada na oferta de bens mais abstratos (discursos, representações, reformas sociais)[23].
Estes fatos contribuem para explicar o que teria podido condicionar a diferença entre as duas maneiras de agir, que confundiram os jornalistas da imprensa, dentro de um mesmo mercado político. E para entendê-las é preciso ir além da observação superficial feita há pouco e procurar relacioná-la a outros elementos relevantes, que encontramos na análise da maneira como cada um desses 22 políticos de sucesso iniciou a subida no primeiro degrau na escalada política.
Para tanto, foi necessário identificar as desigualdades da distribuição de acesso aos meios para participar da política. Num universo democrático, as competências simbólicas (notoriedade familiar, genealogia política, etc.) não deveriam ser condições suficientes para atingir os postos importantes, entre aqueles que vão decidir as competências legítimas no espaço competitivo dos postos públicos. Mas, então, como explicar a maneira pela qual se inicia e se incute faz a [24][inculcação] do [25][domínio prático político na construção dessas trajetórias de sucesso]?


Entradas na política
De importância como elemento de reflexão sobre as práticas que contribuíram para edificar o espaço político mais autônomo dos anos 50, no Brasil, é o fato de que a maior parte dos “mineiros” em altos cargos no período provinha de uma linhagem de políticos com prestígio e poder que se confundia, em parte, com o jogo de relações estabelecidas no período do Império. Eles não só reatualizaram essas relações, além das mudanças de regime, como sobreviveram, com sucesso, à introdução do pluripartidarismo, ao aumento da concorrência eleitoral (com a entrada na política de candidatos de outras origens sociais), à liberdade de imprensa, à liberação das reuniões públicas e à ampliação dos espaços de ação no governo.
Não é possível que se trate, portanto, de uma simples “transmissão parental de mandatos eletivos”, considerando, ainda, que, para além das reformas políticas advindas nos anos 30 e 40, o direito de representar não é distribuído ao gosto das famílias. Da mesma maneira, a interiorização individual, sob a forma de vocação, do projeto familiar não se opera de maneira mecânica, sendo o caso dos filhos de João Pinheiro um bom exemplo, conforme declara um entrevistado:
O sucessor de João Pinheiro na política era Paulo, que inclusive havia sido eleito deputado estadual para a legislatura 1915-1918, com apenas 25 anos de idade. Mas ele era um temperamento muito difícil, com pouca paciência para ouvir, o que acabou levando-o a se afastar da política, depois de conseguir um mandato de deputado federal, em 1930. A Revolução fechou, temporariamente, o legislativo e ele nunca mais se candidatou (VAZ, 1996, p. 28).
No caso da herança em política, há, ainda, que se fazer distinção entre “hereditariedade política”, isto é, socialização na política, fundada na interiorização, pela “impregnação familiar”, de predisposição para a ação política; e “transmissão”, por adoção ou cooptação, de uma rede de relações. No primeiro caso, são as normas e os valores que são legados, enquanto no segundo caso há transmissão, tanto do capital político, como também de um território[26]. Em ambos os casos, a herança se exprime através do prestígio global concedido ao grupo de parentesco. Sendo assim, herda-se um conjunto de direitos que são reconhecidos pelo grupo em que a família tem domínio, além de um conjunto de deveres que são impostos. Direitos e deveres precisam, entretanto, ser testados na prática, pois, para fazer política, o indivíduo necessita subir uma série de degraus antes de ser percebido como um político profissional. Os degraus mais importantes são aqueles das eleições, a prova de seleção comum a todos eles.
Este tipo de herança, da qual muitos políticos fizeram prova, sobrevivendo às diversas eleições no período estudado, se fez acompanhar por outras modalidades de acesso à carreira política, como resultado das mudanças políticas e sociais ocorridas nos anos 30- 40 que, ao transformar o componente de capital político exigido para a entrada na política, afetou, em especial, os modos de seleção dos políticos profissionais de São Paulo. Diferentes homens de outros grupos sociais entraram na política, disputando cargos nos novos partidos nacionais que se criavam. Muitos deles com militância em movimentos políticos, organizações políticas ou sindicais do patronato. Eles renovaram as campanhas eleitorais, mas tiveram que enfrentar as dificuldades de adaptação aos procedimentos parlamentares, de competência dos herdeiros, com os quais passaram a competir.


Herança política e transmissão da rede de relações
A hereditariedade política pode ser vista de forma evidente em seis dos 22 casos estudados. No momento de sua eleição, os políticos já pertenciam ao grupamento político dominante local, ou nacional. O número aumenta ao se pensar nas outras possibilidades de entrar na política sem recursos à eleição, isto é, por via da transmissão da rede de relações políticas. Esta afirmação pode ser confirmada, dentro do que nos interessa aqui, com o caso de Carvalho Pinto e de cinco dos políticos estudados, que iniciaram a carreira no fim dos anos 20. Carvalho Pinto, sobrinho neto de Rodrigues Alves (presidente da República no período 1902-06) militou, como vários jovens do PRP, no movimento integralista, após a derrota da oligarquia paulista, em 1932. Foi introduzido na administração pública por Prestes Maia, de quem foi assessor, e por Antonio de Queiroz Filho – um nome tradicional em São Paulo –, que o indicou para a secretaria das Finanças da prefeitura paulista, no governo Jânio Quadros. Capanema, Valadares, Israel e Bias Fortes foram eleitos “vereadores”, respectivamente, nas câmaras municipais de Pitangui, Pará de Minas, Caetés e Barbacena, confirmando assim, por este teste eleitoral, suas filiações aos clãs oligárquicos. Gabriel Passos subiu seu primeiro degrau político como secretário particular de Olegário Maciel, presidente do Estado (1930–1933). Capanema trabalhou também no gabinete Olegário Maciel, de quem era primo e, após a morte do mesmo, recebeu o posto de “interventor” federal em Minas Gerais, antes de assumir, em 1934, o Ministério da Educação.
No geral, a biografia da maioria dos políticos herdeiros mostra a importância da precocidade política, fruto da atividade pedagógica familiar, dando sentido ao duplo jogo do trabalho de representação no qual a suas famílias se empenham: o domínio da cultura familiar e o da cultura política. É o que indica Tancredo Neves, quando comenta a influência de seu pai na escolha de sua ocupação profissional e na sua habilidade oratória, que lhe valeu os primeiros reconhecimentos da carreira:
Meu pai lia atentamente todos os jornais da época, que publicavam na íntegra os discursos proferidos no Senado e na Câmara. E ele me incentivava a ler em voz alta esses discursos para ele ouvir. Lembro que eu lia discursos exaustivos de Rui Barbosa, lia discursos exaustivos de Irineu Machado, do Maurício de Lacerda, Barbosa Lima Sobrinho, enfim os grandes nomes da oposição na época. Meu pai era um homem marcado pela oposição e toda vez em que exerceu atividade política, foi sempre fazendo oposição (SILVA; DELGADO, 1985, p. 68).
O pai de Bias Fortes e o de Israel Pinheiro foram [27][presidentes] do Estado de Minas Gerais, o que marcou fortemente suas ações políticas, como mostra a observação do vice-governador de Minas, Pio Canêdo, durante o governo de Israel Pinheiro. Segundo ele, Israel, que governou Minas Gerais com a idade de 70 anos, “costumava dizer que não tomaria determinada posição, pois certamente seu pai não aprovaria[28]”.
Para os herdeiros, a detenção dos recursos familiares não é, portanto, somente material e mecânica. Os deveres inculcados pelo exemplo, as evocações da memória familiar, o sentimento de direitos interiorizados desde a infância sob a forma de vocação, a imagem de si são resultados de uma longa aprendizagem normativa.
Esta aprendizagem influi sobre a percepção que o herdeiro pode ter dele mesmo, capaz de sustentar um projeto pessoal de reprodução da atuação de seus ascendentes, como bem explica um deputado contemporâneo, também herdeiro político:
Fui educado no meio de políticos, a começar pelo tio Antonio, depois o tio Pio e também o meu primo Ronaldo. Segui o curso de medicina sob influência e convivência com o tio Antônio. Estudei no Rio, na Faculdade de Medicina e Cirurgia, como ele. Como ele, abandonei a cirurgia para me tornar pediatra. Retornando a M... minha experiência toda é na área social, também como tio Antonio: a Casa da Criança, o’Hospital São Paulo, o posto de saúde na zona rural... Foi uma convivência direta com a população pobre. Este trabalho durou 15 anos, até que saiu minha indicação para a Secretaria Municipal de Saúde. Foi o momento em que comecei verdadeiramente o meu trabalho político (...). O vovô e o tio Zezé sempre falaram no meu nome para a política. Penso que era por eu estar sempre presente na Casa da Criança, desde quanto o tio Antonio foi prefeito. Mais do que os outros. Era eu também que permanecia no bureau eleitoral durante todo o dia. Eu penso que por isso eles se referiam ao meu nome para a política[29].
Mas é a lógica das obrigações clientelísticas que está no coração dessa aprendizagem prévia no serviço público, conforme a declaração do deputado acima. Ensina o herdeiro a agir conforme as regras admitidas, contribuindo para garantir fidelidades políticas, que valerão, mais tarde, como teste para o apoio familiar à carreira e como garantia dos votos a partir da cidade natal. Em carta à mãe, logo após sua posse na chefia de gabinete do Presidente de Estado, seu primo Olegário Maciel, Capanema deixa essa aprendizagem clara na sua preparação prática para a carreira política:
Ele (meu pai) deve morar em Pitangui, onde a senhora e ele deverão ter casa. (...) Meu pai irá para o cargo de escrivão da Coletoria Federal, tendo eu já arranjado um lugar para o Vital aqui em Belo Horizonte. (...) Quero ver se arranjo para o José um lugar no Banco do Brasil, aqui na agência de Belo Horizonte. Seja como for, a nossa família fica instalada em Pitangui. Lá é que deve estar o nosso centro. Eu quero muito a Pitangui e não desejo separar-me daquele povo. Além disso, tenho interesses políticos. E principalmente por isto que preciso [30]ter em Pitangui um ponto de descanso, ou um centro de informação e de trabalho. Espero que tudo isso se fará logo[31].
No caso de uma transmissão por adoção, José Maria Alkimin, filho de um proprietário de terras em declínio econômico, e que não assinala na sua biografia qualquer laço familiar com o mundo da política, é um bom exemplo. Para explicar sua entrada e seu interesse pela política, a hipótese mais plausível é a de sua amizade com Juscelino Kubitschek, do qual ele foi colega na Escola Normal de Diamantina e do qual se tornou primo graças a seu casamento com Dasdores Kubitschek. De onde, sem dúvida, o laço estreito que os dois mantiveram durante toda a vida, o que o situa entre os casos de transmissão do capital político acumulado, por adoção.
Outras alianças familiares também não são estranhas a esse tipo de adoção, conforme um outro político mineiro sugere:
Carlos Luz deu todo o apoio ao Milton Campos, em 1947, porque foi casado, em primeira núpcias, com uma irmã de dona Déia, mulher do Milton. O Tancredo tinha uma tia que foi casada com um irmão do Ernesto Dornelles. O Zequinha Bonifácio e o Bias Fortes eram concunhados, assim como o e Juscelino Kubitschek e Gabriel Passos (CANÊDO, 1966, p. 181).
Dentro do que nos interessa aqui, o essencial nessas alianças é que foram elas que permitiram aos novos entrantes concorrer com os herdeiros familiares no seu próprio terreno, isto é, segundo estratégias similares às que desenvolveram as famílias tradicionais para assegurar sua dominação. O caso de Ademar de Barros é importante de ser lembrado, pois ele era filho de um grande proprietário de café com influência política em cidades importantes do Estado, entretanto não pertencia ao grupo de prestígio dos elementos mais tradicionais do PRP. Após se diplomar em medicina, no Rio de Janeiro, e estudar quatro anos na Alemanha, Ademar casou-se com a filha de Otávio Mendes, célebre professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, participou da Revolução de 32 e ingressou no PRP. Este casamento, [32]somado ( aliado ) à campanha que ele desenvolveu contra Armando Salles de Oliveira valeram-lhe impulso na sua carreira. O empurrão ele o deve a Felinto Müller, influente chefe de polícia do governo de Getúlio Vargas, que o indicou interventor do Estado de São Paulo, em 1938, substituindo Armando Salles – o que, por outro lado, não o recomendava junto aos nomes tradicionais da política do Estado, mas que era justamente o objetivo de Vargas: um nome capaz de impedir o retorno da antiga oligarquia paulista, mas que conservasse laços com ela.
Assim, por meio de estratégia matrimonial, conforme os exemplos acima, a acumulação do capital político termina por se impor, dada a possibilidade de ela operar a distribuição dos recursos clientelísticos – dos quais os políticos são fortemente dependentes. O controle do aparelho administrativo e a proximidade ao poder do Estado lhes permitem esta operação. Mas, neste caminho, não se pode esquecer o trunfo da excelência escolar como sinal de prestígio e de legitimação pelo conhecimento técnico, mas também como tempo necessário para acumular um capital de relações sociais importantes para a carreira futura.
É o que me incitou a interrogar sobre o lugar da escola na carreira desses homens, partindo da hipótese de que foi no espaço escolar – além das atividades propriamente escolares – que esses aspirantes a políticos aprenderam a viver entre eles e a dominar as técnicas de gestão de seus capitais, tanto o social como o político. Nos colégios internos onde estudaram eles nunca estavam sós. Partilhavam ali quarto e comida, aprendendo a viver em grupo, a conhecer o caráter das pessoas, criando a cumplicidade exigida numa carreira arriscada e coletiva, como a política.


Educação escolar
Neste quadro, importa pensar os internatos privados, onde todos os herdeiros da mostra estudaram, com exceção de Carvalho Pinto. Não em razão do ensino que ali era oferecido, porque o programa – a julgar pelo boletim de notas de Israel Pinheiro (VAZ, 1996, p. 21) e pelas cartas de Capanema ao seu pai a propósito do ensino escolar – não deixa transparecer nada de particular para a aprendizagem política. [33][A estranha ausência da disciplina História em seus programas de estudos escolares – a qual ocupava] um lugar central no ensino escolar em outros contextos políticos republicanos – era compensada em família, porque estes herdeiros políticos, “quando estavam à mesa, para o almoço ou jantar, a mãe sempre contava passagens da vida pública do marido (PINHEIRO, 1994)[34]”.
A importância da escola para estes políticos está no fato de que ela foi claramente utilizada por suas famílias como um espaço de controle de sua reprodução.
Amaral Peixoto é explícito a propósito do Colégio Anchieta, em Friburgo (RJ), onde também Israel Pinheiro (entre 1908–11) e Zezinho Bonifácio[35] (em 1920) estiveram como internos:
Iam as famílias de São Paulo, de Rio de Janeiro e de Minas visitar os filhos nos fins de semana, porque só se ia para casa no fim do ano. Para mim, (...) essa foi também uma época de grande contato com personalidades de todos os estados e de todos os tipos: jornalistas, políticos, fazendeiros, amigos do meu pai. Eles ficavam nos hotéis, e nós assistíamos àqueles encontros (PEIXOTO, 1986, p. 35-36)[36].
Neste tipo de escola os alunos não se perdiam de vista: “ainda há pouco tempo fui a uma reunião lá e encontrei alunos de 30, 40, 50 anos atrás”, lembra ainda Amaral Peixoto (1986, p. 34). Esse capital precioso de relações, formado pelas amizades, e com a cumplicidade da infância, ligava os companheiros de classe entre eles por toda a vida, para além das fronteiras regionais, familiares e dos partidos políticos. Longe da família, eles não tinham outra alternativa a não ser que criar novas alianças para sobreviver no internato.
É o caso de Milton Campos, Gabriel Passos e Gustavo Capanema, um exemplo entre tantos outros. Em termos de mobilização dos capitais políticos, sociais e culturais herdados, a escola foi um ponto de encontro importante para suas vidas. Vindos de três municípios diferentes, freqüentaram o Colégio Arnaldo no mesmo ano de 1917, em Belo Horizonte. Reuniram-se depois nos preparatórios do Ginásio Mineiro, como internos, onde – de acordo com os dicionários biográficos consultados – se encontraram a maioria dos aspirantes a políticos mineiros desta época. Na Escola de Direito, fizeram parte da mesma turma de Abgard Renault, Negrão de Lima, Pedro Aleixo e Mário Casassanta.
Da mesma forma, Ovídio de Abreu e Benedito Valadares estabeleceram um laço político e de amizade que tem por origem, sem dúvida, os primeiros bancos escolares partilhados na cidade de Pará de Minas, no norte de Minas Gerais, e depois no Instituto Lafayette, no Rio de Janeiro. Ovídio foi o primeiro convidado de Benedito para a chefia de gabinete [37][de sua interventoria], em 1933.
Uma outra escola, a de medicina, reuniu Juscelino Kubitschek, Pedro Nava, Odilon Berhens e Pedro Sales em Belo Horizonte. E foi lá que o futuro Presidente da República, Kubitschek (1950–1955), mobilizou seu capital social e onde ele começou sua ascensão política. Seus colegas o introduziram no mundo da elite de Minas Gerais – de onde adveio seu casamento com Sara Lemos – e facilitaram sua indicação a um estágio no Hospital Cochin, em Paris.
A Escola Livre de Direito, também situada em Belo Horizonte – criada pelo presidente Affonso Penna para “formar os políticos em casa”, segundo a frase que lhe é atribuída –, e a Faculdade de Direito do Largo São Francisco forneceram diploma a 18 dos 22 políticos da mostra[38]. As duas instituições foram elemento importante para a criação de solidariedades, como a que ligou Carvalho Pinto a Antonio de Queiroz Filho por toda uma vida, e contribuiu para a homogeneidade profissional e cultural dos políticos dos anos 50.
Na Escola de Direito, em Belo Horizonte, Milton Campos, Gabriel Passos e Gustavo Capanema estudaram igualmente com Abgard Renault, Negrão de Lima, Pedro Aleixo e Mário Casassanta, os grandes nomes políticos dos anos 50. Eles formavam um grupo que era conhecido como “os intelectuais da rua da Bahia”, integrado por Carlos Drummond de Andrade, Pedro Aleixo, João Alphonsus Guimarães, João Pinheiro Neto e Pedro Nava – que eram chamados assim porque estes poetas e políticos freqüentavam a livraria Alves, na rua daquele nome. A rua é uma ladeira que vai até a Praça da Liberdade, onde se encontra a sede do governo do Estado, continuando depois dela, o que inspirou estas linhas ao poeta Drummond: “Tínhamos assim a rua da Bahia levando ao governo e ao mesmo tempo se afastando dele” (SCHWARTZMAN, (Tempos de Capanema, ano 2000????, p. 24). Os que subiram a rua e não se afastaram do governo, como Capanema, Milton Campos e Gabriel Passos permaneceram no topo do poder, militando em partidos políticos diferentes, sem nunca abandonarem os laços que os uniu na escola.


As escolas de direito
A formação em direito é a marca do interessado em política em todo mundo. Não poderia ser diferente no Brasil, comprovado no fato de que 18 dos 22 políticos da mostra cursaram uma Faculdade de Direito. A aprendizagem, se não do talento oratório, pelo menos do hábito de falar em público, ajuda a explicar essa procura pelo curso, além, evidentemente, dos conhecimentos jurídicos. O domínio da técnica jurídica é fundamental para um político, considerando que todo ato político se traduz por um texto legislativo. Além disso, a defesa no Parlamento não é diferente daquela do tribunal: trata-se de convencer (DOGAN, 1999). Melhor dizendo, o papel do advogado consiste em defender uma causa, mesmo que ela vá de encontro à justiça, pois o sucesso de uma causa depende muito mais do conhecimento e bom uso dos procedimentos jurídicos do que do fato de um cliente ter ou não razão. Como bem já demonstrou Mattei Dogan, também o sucesso de uma comissão parlamentar depende muito mais da energia despendida pelos políticos nos procedimentos jurídicos do que da justeza do que se advoga lá.
Assim, não é surpreendente constatar o número alto de formandos em direito entre os políticos aqui estudados. Mas esse número não deve mascarar um outro, o de que dos 18 diplomados em direito, somente dois extraíram, de dentro de um escritório de advocacia, os recursos politicamente exploráveis na profissão, a partir de defesa de interesses de seus clientes: Pedroso Horta e Auro de Moura Andrade.
Pedroso Horta teve a oportunidade de ser advogado tanto de Jânio como de Ademar. Jânio levou-o para a Secretaria da Justiça, em 1957, e depois ao Ministério da Justiça. Ainda parafraseando Mattei Dogan (1999, p. 177), pode-se dizer que ele saiu de seu escritório para entrar na política muito mais por saber defender não importa que interesse do que para defender interesses determinados. Já Auro de Moura Andrade, filho de grandes fazendeiros de Barretos, se especializou, como advogado, na defesa de proprietários de terra, o que o levou a trabalhar como assessor jurídico na Secretária da Agricultura do interventor Fernando Costa, com quem sua família compartilhava o mesmo círculo social. Este cargo lhe granjeou os créditos para se eleger diretor da Associação Comercial, de onde saiu para se candidatar a deputado à Assembléia Constituinte Paulista de 1947. Na verdade, como lembra ainda Dogan, “un avocat peut mieux qu’un comerçant défendre au parlement les intérêts des commerçants, de même qu’au tribunal il défend un accusé mieux que ne pourrait le faire l’accusé lui-même”.
Isso não significa que os demais diplomados não tenham se servido de seu aprendizado de direito. Ao contrário, a ascensão da maioria deles ter-se-ia dado por meio do domínio da técnica jurídica. O rigor jurídico foi o trunfo de muitos dos políticos da mostra nas comissões parlamentares. Todos fizeram direito, mas é preciso reconhecer que os herdeiros foram mais rapidamente considerados competentes. Talvez pelo fato de eles não terem saído diretamente das escolas, ou das campanhas políticas, para as tribunas parlamentares. Sendo descendentes, amigos ou parentes de indivíduos que já haviam dado prova de talento, em nível nacional, esses herdeiros puderam ser previamente treinados em escritórios de advocacia desses indivíduos, antes de aplicarem seus conhecimentos dentro das secretarias de governo, muitas delas lideradas, também, por seus parentes e círculos de amigos. Em outras palavras, eram considerados como portadores de qualidades atribuídas a um [39]“ideal-tipo” de parlamentar, donde o reconhecimento da legitimidade de sua presença na presidência de uma comissão ou na redação dos textos legislativos.
Sete dos herdeiros políticos estudados comandaram ministérios da República que exigiram deles a prova de seus conhecimentos técnicos. E, como os outros, antes desses postos, tiveram que subir alguns escalões da hierarquia interna da Assembléia Legislativa. Eles foram líderes de seus partidos ou do governo, e dois dentre eles estiveram na direção nacional do PSD e da UDN. Mas, antes de tudo, se destacaram nas duas mais importantes comissões parlamentares: a da Constituição e Justiça, e a de Finanças e Orçamento[40], duas verdadeiras comissões políticas de poder.
Comparando todos os diplomas desses homens políticos, constata-se que, com exceção dos estudos no estrangeiro, todos eles foram adquiridos em São Paulo ou Belo Horizonte. Campos Valadares foi um dos únicos a se formar em direito no Rio de Janeiro. Nomeado “interventor” por Getúlio Vargas, em 1933, ele não foi bem recebido pelo pessoal político e teve grandes dificuldades para governar Minas, no início. Uma das razões era ser um desconhecido em meio a [41][ex-colegas de Faculdade], além de ter tomado “o lugar que se supunha ser do Capanema” (CANÊDO, 1966????, p. 181), segundo o que se dizia na época.


As práticas de cooptação
A maneira como Benedito superou o impasse é um bom exemplo para se pensar em outras práticas de cooptação que guiaram a ascensão de políticos mineiros: oito dentre eles alcançaram o primeiro posto de acesso ao poder por indicação de Benedito Valadares, quando este foi escolhido por Getúlio Vargas, em 1933, para administrar e modernizar o único Estado brasileiro a não sofrer qualquer intervenção militar no período. Eles galgaram o primeiro posto como oficial de gabinete, secretário ou prefeito nomeado. Benedito, apesar de não ser considerado do “primeiro time” político pelos seus contemporâneos, pertencia à velha oligarquia mineira[42] e dela retirou conhecimentos preciosos, como o de indicar para cada município um prefeito de confiança. “Montou um sistema de prefeitos fiéis a ele”, declarou Pio Canêdo (1966, p. 64)[43]. E uma equipe administrativa tão fiel quanto. Ou melhor, foi uma cooptação não de grupos familiares identificáveis, mas de um conjunto de indivíduos considerados como potencialidades atualizáveis que se impuseram em função de situações concretas. Assim, quando se apresentaram como candidatos às funções públicas, estes homens responderam positivamente às solicitações do momento, não somente graças ao nome de família, mas fundamentando suas pretensões no capital escolar adquirido em escolas de prestígio e jogando, ao mesmo tempo, com recursos próprios acumulados: cargo de vereador, bagagem técnica, etc.
É bem o que Hidemburgo Pereira Diniz parece compreender, ele próprio sendo um político que desenvolveu suas potencialidades após uma aliança familiar de sucesso [44]. Assim ele faz referência à projeção nacional de Tancredo Neves. Segundo ele, Tancredo chegou ao Ministério da Justiça:
por suas próprias virtudes. Em função, a juízo de uns, das vinculações familiares, vinculação ao Major Dornelles. Mas o fato é que se houve essa razão, se ela foi a determinante, não se pode negar que o valor pessoal dele não tenha influído, sobretudo porque ele teve oportunidade de fazer um grande discurso na Câmara, o que impressionou Getúlio (VAZ, 1996, p. 252).


A legitimação dos herdeiros pela competência técnica
Do aprendizado inicial adquirido junto à família – que compreende a participação em festas e cerimônias familiares e públicas, o contato direto com a população local e com as suas preocupações, o conhecimento da história do lugar de seu nascimento e de sua família, que se confundia, muitas vezes, com a história política oficial, etc. (CANÊDO, 1999ANO??? Rythes) – o herdeiro, aspirante a político, longe de sua família, [45][aprende], nos colégios internos, o domínio de si e da gestão de seu capital social e político. Mais tarde, com diplomas saídos de escolas prestigiosas e um capital de amizades ampliado e mobilizável, adquire o domínio técnico na prática do serviço público. Dentro das secretarias de governo aprende a escutar e falar, a se informar da situação e das preocupações de cada um, a examinar minuciosamente as situações particulares, a ser ativo e eficaz, a fazer valer suas intervenções e realizações, a conduzir uma reunião – tomar a palavra no melhor momento, propor soluções inspiradas em programas de circunstâncias, exprimindo relativa originalidade –, enfim, a se distinguir por suas competências técnicas específicas e pelo saber “estar disponível” na “defesa de uma causa”.
O que chama a atenção na carreira dos políticos mineiros é que, mesmo como herdeiros, todos passaram pela aprendizagem na máquina administrativa do Estado numa escalada a partir de postos modestos, “mas na entrada de gabinetes de secretarias influentes, como Interior e Justiça, Segurança e Finanças”. Nestas secretarias eram vistos trabalhando, servindo o tempo todo, recebendo chefes políticos do interior, escrevendo cartas a políticos influentes e respondendo às cartas desses mesmos políticos. Eram, por tudo isso, considerados pessoas capazes. Desta maneira, todos foram testados para a carreira política antes de serem convocados para funções políticas de maior responsabilidade, nas quais se distinguiram por suas competências técnicas específicas – adquiridas na escola e no dia-a-dia administrativo – e pelo domínio do savoir-faire do ofício.
O que chama a atenção na carreira dos herdeiros é que todos passaram pela aprendizagem na máquina administrativa do Estado numa escalada a partir de postos modestos, “mas na entrada de gabinetes de secretarias influentes, como Interior e Justiça, Segurança e Finanças”. Nestas secretarias eram vistos trabalhando, servindo o tempo todo, recebendo chefes políticos do interior, escrevendo cartas a políticos influentes e respondendo às cartas desses mesmos políticos. Eram, por tudo isso, considerados pessoas capazes. Desta maneira, todos foram testados para a carreira política antes de serem convocados para funções políticas de maior responsabilidade, nas quais se distinguiram por suas competências técnicas específicas – adquiridas na escola e no dia-a-dia administrativo – e pelo domínio do savoir-faire do ofício.
O mais importante a observar é que nenhum deles, com suas atitudes, feriu o senso comum democrático. Conhecidos de seus concidadãos, dispondo de relações numerosas entre seus pares, as autoridades sociais, administrativas e políticas, bem como clientelas diversas, os políticos pesquisados puderam, pelos diplomas escolares, pela competência técnica demonstrada, tornar o capital familiar invisível. Embora tenham mobilizado o eleitorado servindo-se do seu nome de família; embora o capital de confiança e reconhecimento do qual se utilizaram para atingir suas posições políticas fosse um capital ligado também ao nome de família, todos eles se apresentaram, em 1945, como representantes democráticos, filiados a partidos programáticos, UDN ou PSD, e com diretrizes precisas para políticas públicas. É o que declara Pio Canêdo, quando indagado sobre sua herança política:
Não me considero herdeiro de uma pessoa, mas de um partido [PSD]...Em política não se herda. A política é um investimento difícil, que exige sacrifícios pessoais e uma vocação para a vida pública (Entrevista à autora, 20 jul 1986).
Herdeiros políticos e eletivos de pais, tios, avôs, tios-avôs, etc., com controle dos votos de suas regiões de origem, disciplinados dentro de partidos nacionais, com recursos políticos para distribuir e se beneficiando da sustentação produzida pelo capital de confiança e de simpatia acumulado pelos membros de suas famílias e pelas belas amizades colecionadas nas escolas, os políticos mineiros, na atividade parlamentar e no executivo, agiram em bloco. Puderam, assim, ser reconhecidos no plano nacional como políticos hábeis, as chamadas “raposas”.


Novas modalidades de entrada no jogo político
Se a trajetória dos herdeiros das grandes famílias pressupõe a existência prévia de recursos familiares e escolares comuns, uma herança política a lhes permitir uma aprendizagem suave, previsível e lenta do ofício nas secretarias do governo, com relação aos demais políticos profissionais estudados, em especial os de primeira geração, observa-se, nas suas trajetórias, que a aprendizagem política foi feita muito mais no quadro de organizações sindicais patronais, de movimentos populistas ou de escritórios de advocacia do que no seu meio familiar, nos internatos e nos órgãos da administração pública. O resultado foi uma luta pela conquista de postos do poder muito mais evidente entre eles do que entre os herdeiros e cooptados das grandes famílias. Para estes, a garantia da transmissão dos postos é uma tarefa que se desenha em longa duração, de uma geração a outra. Para os de primeira geração, sem ligação com as grandes famílias de políticos, como o caso da maioria de São Paulo, deste período, a [46]trajetória é totalmente marcada pela tomada ou a criação de postos políticos.
Na luta pela conquista dos postos, a maior parte deles teve uma ascensão rápida na política, sendo exemplar o caso de Jânio Quadros: em 13 anos conseguiu ser eleito vereador, deputado estadual, prefeito da capital, deputado federal pelo Paraná, governador do Estado de São Paulo e Presidente República, sem pertencer verdadeiramente a nenhum partido, não ser proprietário de jornal, como Batista Ramos, Hugo Borghi e Herbert Levy, não chefiar grupos econômicos como Ademar, Horacio Lafer e Auro de Moura Andrade, nunca ter apresentado programa de governo definido, declarando-se somente dissolvido no bem comum, como no discurso abaixo, no qual celebra o voto como modelo de acesso a esse bem comum:
O trabalhador da cidade e dos campos que me elegeu, humilde e sofredor, não me sujeita a qualquer partido, a qualquer grupo, a qualquer indivíduo. Sujeita-me tão só e exclusivamente ao bem comum[47].

O apoio da mídia

“Sem grupo e sem partido”, tinha o sentido de dizer que ele, Jânio, não obtivera, inicialmente, o apoio dos grupos políticos tradicionais e que buscava novos laços sociais capazes de ajudá-lo na entrada e aceleração da carreira. É o caso, também, de Ademar de Barros, Hugo Borghi e Batista Ramos. Suas entradas aconteceram paralelamente ao desenvolvimento,[48] na política brasileira, da propaganda eleitoral de massa que, através de slogans célebres, contribuiu para transformar as marcas jurídicas dos partidos políticos em sinais abstratos do poder moral de uma pessoa.
Em especial, Janio e Ademar contribuíram para firmar um novo estilo de fazer política, aquele que utiliza o -ismo no lugar do partido político, uma forma de seduzir o eleitorado recorrendo a um apelo direto e emocional, capaz de produzir uma identidade genealógica no lugar da abstrata ideologia de um partido: ademarismo, janismo, etc. Enquanto os mineiros, herdeiros de nomes políticos, escondiam sua origem familiar nas siglas partidárias – PSD e UDN, esses dois paulistas aspiraram inaugurar uma genealogia política a partir de seus nomes, que não tinham respaldo nos clãs políticos e, muito menos, ou por isso mesmo, nos partidos políticos que vinham de ser criados. O respaldo eles obtiveram na mídia.
A carreira de Jânio teve início nas atividades do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito, para o qual foi eleito secretário, após uma campanha considerada singular na época: “fixou uma fita no chapéu com a inscrição Vote em Jânio e passou a sentar-se num barril colocado em frente às arcadas da faculdade.”[49] Deu certo. Depois de diplomado, elegeu-se suplente de vereador à Câmara Municipal de São Paulo, em 1947, com o apoio decisivo de pais de alunos de duas escolas de imigrantes italianos ricos onde lecionava português: o Dante Alighieri e o Vera Cruz. Acabou por assumir o cargo, após ( ? ) a cassação dos mandatos dos vereadores do Partido Comunista. Criou, como vereador, uma figura despenteada, mas corretamente vestida, que visitava, sempre sozinho, os bairros pobres da capital paulista, falando um português correto e empolado que aprendera na Faculdade de Direito e que era visto como respeitoso à população desfavorecida. Firmou-se nas ruas da capital.
Ademar, que havia feito estudos na Alemanha, se firmou no interior, utilizando, no programa de rádio “Palestra ao Pé do Fogo”, uma linguagem popular afastada da norma culta procurada por Jânio na capital. Graças a sua ação como interventor, renovou as lideranças do interior por meio da criação do Departamento das Municipalidades, encarregado de abrir créditos especiais para obras de saneamento nos municípios e implantar um sistema de financiamento para as prefeituras, com taxas de juros menores do que as oferecidas pelos bancos tradicionais,
Ademar fustiga os prefeitos, exige-lhes obras e marca dia para as inaugurações; ‘inaugurar’ era a mania do novo Interventor, e por isso forçava os dirigentes municipais ao trabalho. Visitas e mais visitas ao interior do Estado, sempre, porém, para inaugurar[50].
Para obter a sustentação política fundamental que lhe faltava na capital,
levou para São Paulo um grande prefeito, Prestes Maia (...), e para a Secretaria de Viação nomeou o dr. Guilherme Winter, que era casado com uma Guinle. De modo que era gente de categoria. Com isso o Ademar adquiriu um crédito de confiança[51].
Jânio, diferentemente, para se lançar candidato a prefeito, assinava manifestos e apresentava requerimentos e projetos de leis especiais. Entre eles, o de isentar jornalistas do pagamento do imposto predial e o de conceder abono de Natal aos servidores municipais.
Candidato a prefeito, pelo minúsculo PDC (Partido Democrata Cristão), na cidade que vivia o maior crescimento populacional do país, foi considerado, inicialmente, uma piada política pelos grupos políticos organizados. De piada, transformou-se numa espécie de deus para os descontentes setores médios da população– mal aquinhoados com o desenvolvimento econômico, esmagados pela alta do custo de vida e desejosos de ordem política. Este desejo Jânio sintetizou numa vaga “luta pela recuperação moral, política e administrativa de São Paulo”, marcando sua oposição a Ademar de Barros, que se tornara conhecido com o slogan “rouba, mas faz”. A campanha de Jânio, em oposição, era estilizada em frase famosa – “o tostão contra o milhão” – e na vassoura que, como símbolo, procurava resumir o anseio popular de ordem e limpeza administrativa.
Mas Jânio e Ademar, no aprendizado da política de massas, tiveram Hugo Borghi como professor e Batista Ramos como companheiro. Os dois devem sua entrada na política profissional à relação entre seus negócios e o momento político. Começaram já como deputados federais, isto é, sem o treinamento prévio, eleitos com os maiores números de votos do Estado. A ascensão rápida, para serem eleitos, foi paralela à rapidez da subida no partido, o PTB. Para tanto, além do amparo financeiro de suas famílias de grandes comerciantes, contaram com o conhecimento profissional adquirido, anteriormente, nos meios de comunicação de massa.
Borghi era empresário no ramo de algodão, cercado de operações duvidosas, quando, num acordo com o governo comprou três estações de rádio, em troca da defesa do governo Vargas em agonia[52]. Usou essas propriedades para formar “uma cadeia nacional de 130 estações coligadas” (ABREU; BELOCH, ANO 2001??, p. 419), integrando-as ao Movimento Queremista e mais tarde à campanha de Dutra à presidência da República. Ficou famoso por divulgar, a todo o Brasil, uma frase atribuída ao Brigadeiro Eduardo Gomes, afirmando que não precisava dos votos dos “marmiteiros”, trabalhadores que comiam na marmita. No comício por sua candidatura a deputado, pelo PTB, quinhentas mil pessoas, isto é, os marmiteiros, compareceram batendo latas e marmitas. Foi o segundo deputado mais votado do Estado de São Paulo. A partir daí firmou-se dentro do partido, conseguindo eleger-se, já em 1946, presidente do diretório de São Paulo.
Batista Ramos iniciou sua vida pública como assistente jurídico do ministro Benedito Costa Neto, a quem coube formalizar a denúncia contra o Partido Comunista Brasileiro, em 1947. Elegeu-se deputado federal, também pelo PTB, em 1955, após passar pela experiência de dirigir uma agência de propaganda – Companhia Brasileira de Impressão e Propaganda – presidir a Rádio Excelsior (de propriedade de seu irmão José Nabantino Ramos) e ser diretor-presidente da Rádio Nacional de São Paulo. Como professor de direito financeiro na Faculdade Mackenzie retirou, como Jânio antes o fizera, os votos dos conservadores que vieram somar-se aos populares, conquistados com o auxílio das citadas rádios. Dois anos depois, já era líder da bancada trabalhista na Câmara (ABREU; BELOCH, ANO??, p. 2872). Em 1960 foi nomeado ministro do Trabalho por indicação do PTB paulista.


O movimento estudantil e os partidos políticos
Ulisses Guimarães e Franco Montoro, de origens mais modestas, foram os únicos a exercer o essencial de suas atividades políticas dentro de um partido, respectivamente, o PSD e o PDC. Devem tudo ao partido. Mas a aprendizagem da política partidária foi realizada dentro do movimento estudantil.
Ulisses foi o primeiro vice-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), criada em 1940, em meio à campanha contra o Estado Novo. Montoro, saído do movimento da Ação Católica, liderado por Alceu Amoroso Lima, foi fundador da JUC em São Paulo. Significa que, diferentemente de Jânio que já na sua primeira experiência eleitoral usou o seu nome desvinculado de qualquer ideologia, Ulisses e Montoro já se apresentaram ao movimento estudantil com uma plataforma política definida.
[Da]Além da ( ? ) direção da UNE, Ulisses foi trabalhar num trabalhou em escritório de advocacia, antes de partir para a política profissional. Afiliado ao PSD, “uma verdadeira escola política”, segundo suas próprias palavras, elegeu-se deputado estadual, em 1947, e [53]percorreu progressivamente todos os escalões da hierarquia interna da Câmara dos Deputados de São Paulo: de presidente da Comissão de Assuntos Municipais a líder da bancada do PSD na Assembléia. Eleito deputado federal, em 1950, passou por comissões importantes, como a de Constituição e Justiça; foi membro de CPI, antes de passar a presidente da Câmara, em 1956.
Montoro ajudou a fundar a JUC, em São Paulo, exatamente no momento em que partidos democratas cristãos nos países católicos do mundo inteiro se propunham definir uma terceira via entre o capitalismo e o comunismo, após a Segunda Guerra Mundial. Por essa razão, teve oportunidade de comparecer a congressos católicos, onde conheceu os principais líderes de partidos democratas cristãos latino-americanos, antes de fundar a Vanguarda Democrática, organismo voltado para questões sociais. Só depois ingressou no PDC, partido pelo qual se elegeu vereador, em 1950; deputado estadual, em 1954; deputado federal, em 1958. Como no caso de Ulisses, foi este partido, e não a família ou qualquer meio de comunicação de massa, que lhe deu a formação política e a possibilidade de se consagrar a ela em tempo integral. Do partido retirou seu salário, a sua marca, a referência ideológica e um programa.


O jornalismo e a associação profissional do patronato
No início da Primeira República, na ausência de partidos políticos nacionais organizados, a expansão das ligas nacionalistas, partidos de oposição ao PRP e a redação de jornais serviram, em São Paulo, de coalizações de vários grupos políticos. Nos anos 20 e 30, um grande número de pequenos jornais circulava junto a grandes jornais , como O Estado de São Paulo, que assumiu a liderança das frentes de oposição ao comando perrepista (do PRP). As tabelas 3 e 4 mostram o início das atividades políticas de vários indivíduos da mostra dentro de jornais. Nenhum deles veio à política pelo jornalismo, é verdade, mas os que não herdaram um patrimônio político tiveram o jornal como um bom aprendizado político, meio de ação ou trampolim político. É o caso de Herbert Levy, em especial, que, em 1927, se tornou repórter do São Paulo Jornal em seguida ao seu ingresso no Partido Democrático (PD), a dissidência do PRP, que era também a alternativa de se fazer carreira fora do situacionismo perrepista. Foi, mais tarde, proprietário e diretor da Gazeta Mercantil , redator do Diário da Noite e do Diário Nacional, este último órgão do PD. Pedroso Horta também debutou no trabalho político escrevendo comentário político para o Diário da Noite, em 1928, custeando, assim, os seus estudos de direito. Depois foi repórter em O Estado de São Paulo. Milton Campos e Gabriel Passos fizeram o jornalismo ocasional como colaboradores do jornal da oligarquia mineira, que era O Estado de Minas, antes de estrearem nas secretarias de Estado, nos anos 30.
Dois dos políticos da mostra iniciaram o aprendizado político nas associações profissionais. Auro de Moura Andrade candidatou-se a deputado na Constituinte paulista de 1947, após ser diretor da Associação Comercial do Estado de São Paulo. Para Horácio Lafer, igualmente, a presidência da associação patronal, a CIESP (Confederação da Indústria do Estado de São Paulo), em 1927, foi fundamental. Como Moura Andrade, ele deixou este posto pelo de deputado eleito para a Assembléia Constituinte de 1934, sendo um dos 17 representantes dos empregadores então presentes. Uma “chance” socialmente construída por um talento fundado em qualidades escolares (diplomas), vivência no estrangeiro, influência adquirida na confederação. Deputado federal pelo PSD, em 1945, ele empenhou neste posto os recursos de sua dupla representação, tornando-se, assim, rapidamente um conselheiro e um colaborador próximo dos membros do governo, o que lhe valeu o cargo de ministro das Finanças e de ministro do Exterior.


Considerações finais
A partir dos anos 50, a atividade política cada vez mais se tornava uma atividade profissional e autônoma, em especial, na razão do aumento do número de votantes e da nova organização dos partidos e da legislação eleitoral. [54][Esta nova configuração leva a crer na necessidade de uma formação específica para a demarcação do amadorismo], uma redefinição do saber necessário ao político profissional (WEBER, Edtora Cultrix, Ciência e Política : duas vocações. Não tem data de edição ANO????). Neste aspecto, cabe notar a real desigualdade existente entre os dois grupos de políticos da mostra. Os paulistas, com exceção de Carvalho Pinto, não tiveram uma formação, ou instrução dentro da tradição burocrática, bem conhecida dos mineiros, que alcançaram os altos postos da esfera política seguindo o caminho das Secretarias-chaves do Estado, como Finanças, Justiça e Interior, antes de ingressar no teatro parlamentar. Melhor dizendo, os mineiros se beneficiaram da ajuda especializada dos funcionários públicos e dos políticos mais experimentados, numa aprendizagem adquirida, previamente, nos bastidores da ação. Além do mais, como chefes de gabinete, ou assessores, criaram redes de dependentes na resolução de problemas difíceis para os leigos e também ataram previamente os laços com os políticos mais experimentados, inicialmente como colaboradores, agindo na sombra, como ‘‘menino de recado”, na expressão utilizada por um dos entrevistados.
Os paulistas não tiveram chances para utilizar, num período em que a administração e a economia apenas se iniciavam como objeto de ensino teórico escolar, os métodos de gestão e de governo entesourados pelas parentelas mineiras para serem transmitidos entre elas. Não herdaram e, portanto, não puderam assimilar as receitas experimentadas pelos mineiros ao longo do tempo de exercício das funções públicas em nível nacional. Eles tinham experiência nas atividades de oposição, nas militâncias revolucionárias dos anos 30 e nas campanhas eleitorais. Mas as competências parlamentares eram desconhecidas para eles. Tais competências implicam um aprendizado longo dos procedimentos complexos da Assembléia, um conhecimento profundo, de alto a baixo, do seu funcionamento e de seus regulamentos. Um percurso iniciante que os “paulistas” tiveram que percorrer, com as dificuldades normais de adaptação. Ora, a informação técnica, administrativa e econômica, junto com as práticas dos procedimentos jurídicos nos trabalhos das comissões – a chave da vida parlamentar–, foi sempre utilizada como recurso político pelos mineiros. Mais do que tudo, foi o que tornou possível a crença na existência de uma lógica de vocações políticas em Minas Gerais, contrastando com a lógica de vocação econômica de São Paulo, ou também, com uma vocação pela tribuna, que abria aos paulistas um espaço para a palavra desejada.
Maria Arminda Arruda chama a atenção para este aspecto contraditório das crenças nas “vocações”, quando ela compara o projeto de criação dos primeiros cursos superiores de ciências políticas e econômicas em Minas Gerais e em São Paulo. O fato pode nos dar uma idéia de como a virtuosidade política dada pelo grupo familiar de origem, ou pela aprendizagem nas secretarias de Estado de Minas Gerais – que funcionavam também no modelo da organização familiar – pode se transformar em aprendizagem racional, sem que uma substitua a outra (ARRUDA, 1989, v. 1, p. 250). Lembra ela que a criação da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas de Minas Gerais, em 1941, contou, diferentemente da de São Paulo[55], com a participação de figuras importantes do empresariado mineiro e das associações de classe, tendo como figura central Ivon Leite de Magalhães Pinto, banqueiro e ilustre membro da elite mineira[56], e um corpo de professores de nomes conhecidos nacionalmente, como Lucas Lopes[57] e José de Magalhães Pinto. Em São Paulo, diferentemente, a iniciativa de se criar uma escola superior de economia se deu no quadro das orientações que presidiram o projeto da Universidade de São Paulo, isto é, voltada para a Faculdade de Filosofia e com “ênfase na orientação jurídica e no caráter de complementação cultural”, passando a ser procurada por jovens sem condição econômica de freqüentar a prestigiosa Escola de Direito do largo São Francisco ou a Politécnica, ambas da USP (LOUREIRO, 1977, p. 37). A própria Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, ligada a Roberto Simonsen, não tinha a economia e nem o serviço do Estado como centro catalisador. Ao contrário, na Faculdade de Ciências Econômicas de Minas Gerais, o objetivo “era formar economistas voltados para a macro-economia”. Nessa escola, os formandos em Sociologia e Política e em Administração Pública eram orientados “no sentido de assessorar o governo” (ARRUDA, 1989, v. 1, pag. 254). Este programa, deslocado da realidade agrária da economia mineira, estava, entretanto, de acordo com os planos políticos de formação de um profissional “que se tornava necessário no plano nacional” (ARRUDA, 1989, v. 1, pag. 254), numa época em que Getúlio consolidava as bases do Estado Nacional e os primeiros passos para um planejamento da economia. O fato é melhor explicitado pelo cientista político Bolivar Lamounier, ex-aluno desta escola:
Eu me lembro de ter lido uma vez a oração que Oliveira Vianna faria na abertura da Escola de Sociologia e Política de São Paulo...É interessante que ele dizia ali um pouco ingenuamente, pois ele era excessivamente tecnocrático...ele imaginava uma escola que, na verdade, se realizou em Minas. Quer dizer, uma escola para formar pessoas que vão pensar os problemas do governo. (Entrevista concedida a Arruda (1989, v. 1, pag. 254).
Em Minas, tratava-se, portanto, de formar profissionais bem adestrados, com intimidade com os problemas da gestão pública e privada, conforme continua Bolivar Lamounier:
Quer dizer, ninguém tinha dúvida de que naquela faculdade estavam se formando os técnicos futuros do Governo do Estado. E isto de fato aconteceu... Eu, por exemplo, tive como professor de Política Econômica o Fernando Reis, que se tornaria, posteriormente, figura poderosa do estado, presidente da Cia. Vale do Rio Doce, diretor de empresas estatais. Ninguém tinha dúvidas que estava se formando ali uma geração de técnicos (ARRUDA, 1989, v. 1, p. 255).
Este fato ajuda a entender porque em Minas, como mostra o estudo de Frances Hagopyan (ANO1996???)[58], e contrariamente ao acontecido em São Paulo, a transferência de poder nos cargos públicos, dos políticos para os técnicos, foi menos abrupta, após 1964. Em Minas, ela escreve , “in the early to mid 1970s, tradittional political elites and technocrats ‘shared’ the state”. Na verdade, até mesmo o mais importante posto político, o de governador do estado, foi escolhido pelo governo militar dentro da oligarquia, da mesma maneira como se fazia desde a Primeira República. Dentro da oligarquia mineira, os militares no poder encontraram os políticos providos da competência técnica necessária aos cargos técnicos exigidos pelas transformações econômicas do momento, construída dentro de uma gestão familiar peculiar da escola, e da crença na meritocracia a legitimar o direito de determinados grupos familiares à dominação.


Referências bibliográficas
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NOTAS


[1]Este artigo resulta de uma exposição feita no Centre de Recherche sur le Brésil Contemporain, EHESS, Paris, em novembro de 2001. Devo agradecimentos a Jean-Pierre Faguer, não só pela competente leitura e discussão da primeira versão deste texto, como também pela sua disponibilidade e amizade. A pesquisa é financiada pelo CNPq.
[2]Cf. Canêdo, 1999, 1998, 1977, , 1990, 1991, 1994, 1995.
[3][3]A visão institucionalizada da política nega o caráter operatório dos laços familiares no universo político contemporâneo. No meu entender, tal fato, no âmbito da produção histórica e sociológica brasileira, se deve a uma acomodação do objeto depois da publicação dos trabalhos clássicos da década de 30, em especial o de Oliveira Vianna O Idealismo da Constituição, e o de Sérgio Buarque de Holanda Raízes do Brasil. Os estudiosos que os seguiram, ao invés de transformar os estudos clássicos em pontos de partida para trabalhos mais instigantes, os transformaram em referências rotinizadas, voltando-se para as tradições do estudo dos partidos políticos, utilizando referências européias. Melhor dizendo, numa sociedade que, como a brasileira, se modernizava, desenvolvia o seu parque industrial, com partidos nacionais atuando no Parlamento, pensou-se como mais importante classificar esses partidos do que refletir sobre o incômodo problema levantado pelos textos daqueles que pensaram o Brasil na década de 30. A relação parentesco e política foi relegada para a micro sociologia e para a antropologia, a fim de assinalar uma especificidade local, arcaísmo bem conhecido. Na verdade, uma maneira de proclamar a impossibilidade de esta relação se produzir numa sociedade moderna.
[4] O dicionário não registra esta palavra. Colocar entre aspas? De maneira nada negligente
[5]Patrimônio político aqui é visto no sentido dado por Marc Abélès, que o compreende como a memória das posições políticas ocupadas por diferentes ascendentes, mas igualmente um elemento ideológico distintivo que se espera seja transmitido numa parentela (Cf. ABÉLÉS, 1989, p. 33).
[6]Antes de 1930, 3,5% da população brasileira votava, isto é, não havia mais do que 1,2 milhão de votantes. Em 1945, após o decreto-lei n° 7 586, de 28 de maio, que tornou o voto obrigatório, aproximadamente 15% da população compareceu às urnas para as eleições presidenciais – quase 7,5 milhões de votantes, de acordo com os dados do Tribunal Supeior Eleitoral, TSE (Dados estatísticos, 2, 1952). Por ocasião das eleições nacionais de 1960, o número de votantes foi de 15.543.332, isto é, 22% da população brasileira, segundo o TSE (Dados estatísticos, 5, 1963).
[7]Gaxie (1993, p. 48) afirmou isto a propósito da França no fim do século XIX, mas a mesma idéia pode ser retomada aqui.
[8]Para uma discussão sobre o * pedo peso político de São Paulo no conjunto do país, ver Bases do autoritarismo brasileiro, Simom Schwartzman, Rio de Janeiro, Campus, 1982
[9]Lembro aqui a atuação da liderança mineira na garantia do processo de sucessão/eleição após a morte de Getúlio Vargas, em 1954; a solução parlamentarista à crise criada pela renúncia de Jânio Quadros em 1961; a legitimação da deposição de João Goulart, em 1964, sancionando a instalação do novo regime sob a presidência de Humberto Castelo Branco.
[10]É ilustrativo, também, o início do discurso de Borghi no grande comício do Rio de Janeiro, em 20 ago. 1945, durante o “movimento queremista”: “Olhando em volta não vejo ao nosso lado nenhum dos medalhões políticos nacionais, salvadores da pátria, de cujos nomes se ocupam diariamente os jornais(...). Todos aqui somos ilustres desconhecidos. Não somos políticos nem o aspiramos ser. Ver BORGHI, 1995. Grifos do próprio autor.
[11]Refiro-me aqui, além da abertura de novas organizações partidárias, expansão dos aparelhos de Estado, etc, ao programa de reformas eleitorais inaugurado com o Código de 1932 que criou a Justiça Eleitoral, instituiu o voto secreto, o voto feminino e o sistema de representação proporcional.
[12]Entre eles ver, em especial, Silva e Delgado, 1985; Camargo et al., 1986; Vaz, 1996; Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 1996; Borghi, 1995.
[13] Esta palavra parece estar incompleta. Seria “sempre”? O sentido da frase não está claro.
Retirar o sem a priori
[14]Continuaram depois de 64: Milton Campos – Ministro da Justiça (1965-66) e senador (até 1972); Israel Pinheiro – governador do Estado (1965-69), levando para sua secretaria Ovídio de Abreu e José Maria de Alkimin; Gustavo Capanema – deputado federal (1961-70) e senador (1970-79). Carlos Luz, morreu em 1961 e Gabriel Passos em 1962 Dos paulistas, Moura Andrade – senador (durante os anos 60); João Batista Ramos – presidente da Câmara dos Deputados (1966-68); Carvalho Pinto – senador (até 1975).
[15]Ver Offerlé, 1996.
[16] Esta palavra soa estranha, nesta frase.
A palavra é advém
[17]Por renovação de geração não estou me referindo à idade de entrada, e, sim, a novos líderes porta-vozes das novas aspirações e esperanças políticas.
[18]Entre outras estratégias tendentes a desbancara antiga oligarquia paulista do poder, o governo Vargas nomeou “interventores” militares sem quaisquer vínculos com os dois partidos oligárquicos locais (PRP e PD tiveram que se recompor através de uma frente única) e que nem pertenciam às famílias dirigentes do Estado, estimulou a criação de organizações políticas que pudessem competir e/ou substituir os partidos oligárquicos, etc.
[19]A elite política paulista, durante a República Velha, era basicamente uma elite agrária e industrial. Frances Hagopyan e Love estimam que 40% dela estava ligada ao comércio exportador de café e 28% era ligada à indústria. Para Minas Gerais, Wirth só identificou 16,7% de fazendeiros numa elite política que, como demonstrou Rebelo Horta, formava uma rede de 27 famílias controlando a política do Estado em escalões burocráticos. Moema Siqueira demonstra que membros destas famílias eram usados como critérios para nomeação na burocracia do Estado.. Segundo ela, 38% dos funcionários públicos de Belo Horizonte, em 1900, pertenciam a estas famílias. Ver Hagopyan, 1996; Love, 1980; Wirth, 1977; Horta, 1956; Siqueira, 1970. Ver também Martins Filho, 1986.
[20]A população, que era de 1 326 2611 habitantes, em 1940, cresceu três vezes em vinte anos, chegando a 3 825 351, em 1960 e 5 978 977, em 1970.
[21]A cidade de São Paulo, no período de 1890-1900, passou de 64 934 habitantes para 239 820.
[22]Cf. o que escreve Briquet, 1997, p. 14: “A cultura se cristaliza nas ‘regras do jogo’, enumerando os direitos e deveres dos indivíduos, os imperativos ligados aos papéis, assim como os comportamentos que eles podem legitimamente adotar em tal ou qual situação particular”.
[23]Cf. Gaxie, 1989, p. 16.
[24] Este termo não existe, no dicionário; há “inculca”. Colocar entre aspas?
[25] A idéia não está muito clara; penso que a expressão “domínio prático político” poderia ser modificada. Pode ser?
Incute o domínio prático da política
[26]Ver, para o caso da França, Philippe (1992), que muito me auxiliou na reflexão do caso brasileiro.
[27] Não deveria vir entre aspas? Não, na Primeira República era este o nome dado.: presidente de Estado
[28]Canêdo (1966, p. 21). Canêdo foi vice-governador de Minas Gerais durante o governo de Israel Pinheiro.
[29]Entrevista de pesquisa – Christiano Canêdo, abr. 1991.
[30] Pode ser feita esta modificação? Qual?
[31]Carta datada de 28 de outubro de 1930. Arquivo Gustavo Capanema, citado por Schwartzman, ano??? Tempos de Capanema, opus cit. p. 49.
[32] Seria possível fazer a substituição? “Junto a” parece atribuir o sentido de ligação íntima, “espacial”, entre os dois fatos. Sim, pode fazer.
[33] Sugiro a alteração da ordem, nos termos desta frase: “ A estranha ausência, em seus programas escolares, da disciplina História – a qual ocupava ...” De acordo
[34]Ruth Pinheiro era irmã de Israel.
[35]José Bonifácio Lafayette de Andrada, dito Zezinho Bonifácio, vinha de uma família de cinco gerações de políticos, na qual o ancestral mais ilustre foi José Bonifácio de Andrada e Silva, o “patriarca da Independência“. Nos anos 1950, Zezinho foi um dos fundadores da UDN e deputado federal.
[36]Amaral Peixoto estudou no Colégio Anchieta três anos após Israel Pinheiro. Ele foi governador do Estado do Rio de Janeiro e presidente Nacional do PSD, desde a fundação do partido até 1965. Era também genro de Getúlio.
[37] A palavra “ interventoria” não consta do dicionário. Sugiro que o trecho seja escrito assim: “”...para a chefia de gabinete, durante o tempo em que atuou como interventor,...” de acordo
[38] A proximidade com a palavra “políticos” parece atribuir à frase um sentido pouco claro, diferente do pretendido. Achei melhor sugerir esta alteração. Gosto da alteração, mas prefiro escola no lugar de instituição. As duas escolas……
[39] Não ficaria melhor “tipo ideal”? de acordo
[40]A Comissão de Justiça é o palco de debates que envolve a constituição, além de funcionar como primeira triagem dos projetos, ou melhor, como o lugar onde muitos deles morrem, julgados como inconstitucionais. A Comissão de Orçamento é a que aprecia as emendas ao orçamento da União, determinando, em última instância, a alocação de recursos para a realização de obras dos municípios, entre outras despesas. Sobre o assunto, ver Hippolito (1982, p.66-68).
[41] A frase parece incluí-lo entre esses ex-colegas, mas penso que não é essa a idéia. Talvez possa ficar mais claro, assim: “ ... desconhecido em meio a (diante de ) um grupo fechado de ex De acordo o
[42]Benedito era membro de uma das 27 “famílias governamentais” de Minas Gerais – a de Joaquina do Pompeu. Ver Horta (1966, p. 76-77). Seus parentes, descendentes da matriarca, tinham como seus grandes núcleos de domínio político os município de Pompeu, Dores de Indaíá, Pará de Minas e Pitangui, onde imperava seu primo Francisco Campos, em luta contra Gustavo Capanema.
[43]Canêdo foi um dos primos de Benedito nomeados prefeitos no período.
[44]Hidemburgo Diniz era casado com filha de Israel Pinheiro e foi um dos criadores e presidente, durante longo tempo, da Fundação João Pinheiro, organismo voltado aos estudos e projetos macroeconômicos de Minas Gerais desde 1969.
[45] Sugiro, aqui, a substituição de “aprende” por “passa a adquirir”, por duas razões: a) evitar a repetição de “aprender”; b) retomar, através de “passa a...”, a frase iniciada antes do primeiro travessão.a ideía é de aprendizado. Prefiro manter aprende que é diferente de adquirir.
[46] Sugiro substituições para a palavra “luta”, para evitar a repetição. Pode ser assim? Não. Poderia ser peleja, combate ou batalha se for necessária a substituição
[47]Dicionário Histórico Biográfico, opus cit , pag. 2848
[48] Penso que a inversão deixa a frase mais clara. Pode ser?De acordo
[49]Cf. Dicionário Biográfico Brasileiro, opus cit. p. 2848.
[50]Cf. Castilho Cabral, Tempos de Jânio e outros tempos, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, pag.
[51]Cf. Amaral Peixoto. Entrevista in Aspásia Camargo, opus cit., p. 207.
[52]Em suas memórias, Borghi (1995, p. 104) escreve que “jamais exercera qualquer atividade política a nível federal, estadual ou municipal, figurando minha participação na Força Aérea Paulista, em 1932. (...) E além de não ter exercido qualquer atividade política, por ela pouco me interessava e dela pouco entendia. A ponto de não conhecer o nome de muitos integrantes do primeiro escalão do governo Vargas(...) até o dia em que acompanhei a comissão de lavradores e maquinistas de algodão na audiência concedida pelo Ministro Souza Costa ( da Fazenda)”.
[53] Seria bom evitar a repetição “ escalou”, escalões’.De acordo
[54] Este trecho não tem um sentido muito claro para o leitor: parece querer dizer que é necessário saber ser amador, quando – penso eu - o texto afirma, conforme o que vem em seguida, exatamente o contrário. Talvez o problema esteja na expressão “demarcação do amadorismo”. Uma possível solução seria substituir “ a demarcação do“ por “evitar o amadorismo”.Não é evitar, o que seria impossível pensar no caso da política. O sentido é demarcar, isto é, estabelecer limites. Poderia ser limitação.
[55]Para a Escola de Economia e Administração de São Paulo, ver Loureiro, 1977.
[56]Ivon de Magalhães Pinto era membro de duas das 27 famílias governamentais citadas por Rebelo Horta (1956, p. 82): os Monteiro de Barros e os Leite de Magalhães Pinto que se cruzaram na Zona da Mata de Minas Gerais. Seu pai era homem do ministério público.
[57]Lucas Lopes foi uma das figuras mais importantes da burocracia pública mineira. Na época da criação da Faculdade de Ciências Econômicas, ele era secretário da Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho no Governo Benedito Valadares depois de, como engenheiro, ter chefiado a construção das oficinas da Companhia Vale do Rio Doce e dirigir a sessão mineira da Comissão de Mobilização Econômica no Governo Getúlio Vargas (1942-43).Foi, entre outros cargos, duas vezes Ministro da Viação e Obras Públicas (1954 e 1955), presidente do BNDES , durante o Governo JK, Coordenador do Programa de Estabilização Monetária desse mesmo Governo, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento, Ministro da Fazenda (1958-59), Presidente das Centrais Elétricas de Minas Gerais S.A. – Cemig, etc.
[58]Em especial o capítulo 4.